Siddhārtha Gautama, popularmente conhecido como Buda (na verdade, ele foi "um" Buda, ainda que o Buda Supremo, fundador do budismo), foi um líder espiritual na Índia há muitos séculos. Pregava um caminho nobre que deveria ser percorrido por boas ações, bons pensamentos, boas palavras, boas intenções, bem, vocês entenderam...
O nome Gautama ressurgiu recentemente no mais novo escândalo de corrupção do governo Lula (alguém está contando?). Bem, poderia aqui partidarizar a discussão, mas seria uma insensatez. Escândalos de corrupção aconteceram em governos anteriores e, pasmem, deverão acontecer muitas vezes no futuro, também.
Cabe debater os porquês deste governo ter sido marcado por tais escândalos — o que pode ser tanto por haver maior incidência em si, por conta de alianças políticas muito mais amplas, frouxas e menos programáticas, ou pelo fato dos governos anteriores saberem acobertar seus escândalos de maneira muito mais eficiente, quem sabe.
Mas, muito mais do que isso, cabe uma reflexão séria de por que ainda parecemos tolerar tanto o fenômeno da corrupção no nosso País, e como podemos erradicá-la — ou pelo menos diminuí-la a níveis internacionalmente toleráveis (Corrupção Zero é um slogan bonito, mas nem a Finlândia chegou lá, ainda que esteja em situação muito melhor do que a brasileira).
Uma coisa para mim parece clara: por mais que fiquemos indignados com esses repetidos escândalos, ainda somos não apenas tolerantes a eles, como muitas vezes coniventes, quando não cúmplices ou mesmo autores de corrupção ativa ou passiva. Talvez você e eu nunca tenhamos enchido nossas cuecas de dólares, mas sei de muita gente que "molhou, molha ou molharia" a mão de um Policial Rodoviário para fazer vista grossa de seu excesso de velocidade — sim, às vezes é o próprio policial que propõe esta troca vantajosa para ambas as partes (naquele momento), mas extremamente desvantajosa para a sociedade como um todo.
Não é só isso: é a pessoa que usa seus contatos dentro de uma repartição pública para "agilizar" sua documentação e furar a fila; é o motorista que passa seus pontos na carteira para a tia que tem habilitação mas não dirige mais; é quem compra uma mercadoria e não pede nota fiscal!
Ah, que exagero, né?! Tá certo que há um imposto devido no preço do produto pago. E que sem a Nota Fiscal o vendedor pode mascarar a venda daquele produto e não recolher o imposto. E que a apropriação privada de recursos públicos é parte integrante da definição de corrupção. E que tendo participado e presenciado essa omissão, fomos coniventes e cúmplices de um caso de corrupção. Mas isso é "peixe pequeno", é "situação comum", é "prática usual", não tem nada a ver essa situação com os escândalos descobertos pela Operação Navalha...
Agora vem o "otário" do título. O otário sou eu. Quando passo minutos discutindo com a pessoa do caixa que diz que o "talão de nota fiscal acabou e ainda não chegou o outro" ou que "o sistema que emite a nota fiscal eletrônica caiu", e as pessoas na fila atrás de mim me olham feio — ou quando peço nota e a pessoa do caixa me pergunta "de qual valor?"; quando fico com meu carro parado no farol vermelho e vejo os carros do meu lado passando incólumes; quando tomo farol alto de um carro 50% acima do limite de velocidade pedindo para eu sair da sua frente; quando tento avisar um fumante que ele não pode fumar dentro daquele shopping ou daquela estação do metrô, e ele me olha feio, quando não engrossa e quase parte para a briga. Enfim, quando parece que "seguir as regras" (sejam elas as leis do Estado ou normas básicas do bom convívio social) é algo mais difícil ou menos valorizado do que violá-las, sinto-me um otário.
Mas vou continuar a sê-lo, pois para mim é muito mais difícil fazer o oposto. Não sei bem o porquê, sério. Mas sinto um enorme sentimento de culpa, não durmo direito, não tenho "paz de espírito" quando sei que estou fazendo algo de errado. Às vezes tento criar justificativas para tais atos, mas muitas vezes nem eu mesmo me convenço, e aí aqueles sintomas aparecem. É algo de criação? Deve ser, lembro sempre do meu pai dando o bom exemplo em muitas situações, algumas delas até eu não me acho "otário" o suficiente para fazê-las — dificilmente eu me abaixo para pegar o lixo que outra pessoa acabou de jogar no chão para jogá-lo no lixo, coisa que ele vive fazendo, às vezes mesmo enfurecendo o "porcalhão", que fica extremamente constrangido quando o vê fazendo isso na sua frente, sem meu pai dar um pio ou lição de moral na pessoa.
Mas se os pais de uma pessoa não foram capazes de passar esses valores morais para ela, é bem provável que ela também não seja capaz de passar isso a seus descendentes também. Isso quer dizer que a "imoralidade" (sem conotações puritanas) é hereditária. Como resolver isso? Na Escola? Não imagino um professor sequer que tenha ensinado algum aluno a roubar, a matar etc. Não está aí o problema, imagino. O problema é muito maior, e muito mais generalizado. E simplesmente não sei, sinceramente, como resolvê-lo. Como "recuperar" uma geração inteira de brasileiros que, apesar de ficar furiosa ao ver o pedaço de ponte que a Gautama construiu no interior do Maranhão ligando nada a lugar nenhum, é incapaz de perceber as inúmeras concessões diárias que faz, as pequenas corrupções do dia-a-dia?
Ficarei muito grato se vocês tiverem sugestões a fazer neste sentido, e pudessem colocá-las nos comentários. Ajudariam-me a reconquistar minha fé num Brasil melhor — às vezes fico completamente desanimado com as parcas perspectivas de uma mudança profunda, e no meu tempo de vida, no País...
terça-feira, 22 de maio de 2007
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