terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Políticas de conservação da natureza: quem é quem?

Por Ariadne Peres*

Em Resgatando a Natureza, Marcus Colcherster escreve sobre a legitimação dos direitos consuetudináros em unidades de conservação (UC). Iniciando relata que mesmo com o conhecimento científico e a ação de entidades conservacionistas, ainda permanece a idéia da natureza separada da humanidade. No passado, a natureza era vista como o mal, a brutalidade da qual a civilização deveria se apartar. Contudo, esta percepção mudou. A natureza passou a ser o mundo não corrompido pelo homem civilizado. O homem selvagem, o homem não maligno, imaculado, não corrompido pelo homem branco. A natureza passou a ser o refúgio, o resgate da condição não corrompida, escape para os males da civilização, para recreação do espírito humano. Criaram-se então os parques nacionais que vieram a influenciar os padrões globais de conservação, defendidos então pelos chamados conservacionistas. O mundo selvagem passou a ser reverenciado como refúgio da biodiversidade que precisava ser preservada na qual o ser humano não era incluso, mas era o seu principal algoz. Nesta concepção, surgiram UC para manter o ser humano impactante longe da biodiversidade a ser preservada. Nestas áreas as populações residentes eram forçosamente retiradas, reforçando desigualdades sociais, furtando seu direito de propriedade bem como dos saberes vivenciados naquele ambiente. As áreas protegidas impuseram visões de elite sobre o uso da terra que resultaram na alienação das terras comunais em favor do Estado. A visão conservacionista pretensiosa era a de hegemonia ocidental, desrespeitando outras construções culturais por outros povos, que possuíam visões bem diferentes de relação com a natureza. A construção histórica de uma população está relacionada com a sua interação na paisagem, na natureza. Os conservacionistas começaram então a perceber que os planos de manejo ambiental não dariam certo se as dimensões sociais fossem ignoradas e marginalizadas. As políticas de conservação até então eram introduzidas por pessoas de fora e legitimadas em alianças com o Estado.
Muitos têm argumentado que as sociedades tradicionais (Índios, Quilombos, ribeirinhos, etc.) vivem em plena harmonia com o seu ambiente, e por isso detêm as melhores formas de manejo dos recursos presentes. Este argumento inclusive é usado pelas próprias comunidades para resguardarem seus direitos. Mas é um equivoco achar que elas detêm uma ética conservacionista ou que o manejo por elas impetrados jamais degradarão o meio. Até porque tais comunidades com o passar do tempo absorvem novas tecnologias, o que altera suas relações com o meio em vários aspectos. As comunidades tradicionais possuem regras e costumes que muitas vezes são bem diferenciados daqueles que compõe o universo conservacionista. Assim pesquisadores precisam assessorar ações de manejo em áreas onde estas populações estão assentadas, mas jamais substituí-las em suas decisões. Auxiliar na organização das mesmas e no sentido de constituírem uma autoridade central que dialogue com instituições externas.
Poderia discorrer muito mais no pensamento de Colcherster, porém finalizando prefiro deixar algumas inconclusões... no dialogo com populações tradicionais, seria então uma batalha a busca de um consenso pois, em beneficio de quem os recursos devem ser conservados?Quem terá o poder de contestação?Quem teria a autoridade de manejar de forma prudente e em beneficio das gerações futuras?


* Ariadne Peres tem Mestrado em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (1999) com área de concentração em Ecologia. Atualmente cursa o Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia). É professora Assistente II da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Ecologia. Atua principalmente nos seguintes temas: antropologia (populações humanas em unidades de conservação), educação ambiental, ecologia, educação (formação inicial e continuada) dentro da tríade ensino,pesquisa e extensão. Coordena o Grupo de Pesquisas e Estudos de Ed. Ambiental (NPADC/UFPA)

2 comentários:

Unknown disse...

Excelente artigo Ariadne!
Apesar das dificuldades que envolvem a construção de consensos (não só em temas de relevância ambiental), creio que chegar nesse patamar de discussão já seria um grande avanço, dado que muito do que se faz nesse campo ainda se encontra no estágio que você descreve ao longo do texto (sobretudo na "prática"). As questões apresentadas servem de farol sendo, portanto, muito pertintes. Parabéns! Oswaldo.

Unknown disse...

ops... desculpe "(...)muito PERTINENTES"... Oswaldo.